Tudo o que ele via eram estrelas.

A escotilha no teto do seu quarto era pequena mas permitia o vislumbre da vastidão do espaço. O silêncio incomodava Nate, pois podia ouvir milhões de vozes que ecoavam ao mesmo tempo, dentro de sua cabeça. Era grato por estar ali, mas também fixava o pensamento na noção de que apenas alguns centímetros o separavam de uma morte dolorosa e agonizante.

Estava atrasado para seu próprio interrogatório, no qual teria que enfrentar o que restava da humanidade e explicar o motivo de suas decisões. Quando chegou na sala de reuniões, escoltado pelos guardas, sentiu como se a temperatura tivesse caído 5 graus. Havia câmeras por todos os lados, voltadas para o local em que suspeitou, deveria sentar-se. 

Desconfortável, olhou para Oziel e fez menção de falar algo, mas foi interrompido.

– Dr. Nate, você está preparado?

 

Tinha toda a confiança de que estava muito longe de estar preparado. Com a voz trêmula, mentiu:

– Estou. Podemos começar.

– Meu nome é Oziel e estamos transmitindo ao vivo para todas as naves que restaram, Esperança 5, na qual estamos, e as demais 2 e 3. 

– Sobraram só essas depois da quarentena? – questionou Nate, com os olhos arregalados.

– Sim. Havia pessoas com o vírus nas demais. 

– Inacreditável. Como isso pôde acontecer? Eu me certifiquei de testar todos eles.

– Parece que erros foram cometidos no processo. Mas vamos nos ater ao que interessa. Quando a pandemia começou, em quê você trabalhava?

– Com biotecnologia e nanobiologia, buscando a cura e gerando novos testes de detecção – respondeu Nate, segurando a mão esquerda com a direita, como se quisesse confortar a si mesmo. 

– Vejo que está nervoso – disse o interrogador, apontando para o colo de Nate.

O homem que fazia as perguntas a Nate pegou uma pasta de arquivo grossa de tantos papéis que continha. Abriu no meio e folheou um pouco, até que pareceu ter encontrado o que buscava.

– Aqui consta que você chegou na nave exercendo o papel de Executor. Pode explicar melhor o que isso significa?

– Junto com os documentos de autenticação de evacuação, recebi uma pastinha preta interessante com os dizeres: confidencial. – disse Nate, esfregando o olho direito, que tremia de forma insistente.

– E o que havia nessa pasta? – questionou o entrevistador, inclinando-se para frente, em direção a Nate.

– Protocolos a serem seguidos no caso das naves estarem sob ameaça do vírus, vindo da Terra.

Nate parecia mais calmo a essa altura, mas sabia o motivo de todo aquele circo que montaram para esse inquérito. Prosseguiu:

– Vocês querem um bode expiatório, já que o outro envolvido nessa bagunça toda se matou, estou certo?

– Dr. Nate, ninguém o está acusando de nada. Ainda. Apenas queremos entender os fatos que levaram ao Holocausto Final.

– É assim que estão chamando o que aconteceu? Vocês não são nada originais.

– Minha próxima pergunta, Dr. Nate. Sua família foi afetada pelo evento?

– Qual dos dois eventos? A praga ou o Holocausto Final? – perguntou o cientista, fazendo um movimento de entre aspas com as mãos e rindo.

O interrogador fechou a pasta e olhou fundo nos olhos de Nate.

– Você acha que isso aqui é uma brincadeira? Que o que você fez foi uma brincadeira? – questionou Oziel, levantando a voz.

– De forma nenhuma. Só acho que, pela quantidade de perguntas que você está fazendo, nem você sabe o que aconteceu de verdade.

– Conte a sua visão dos fatos, então.

Reclinando-se para trás em sua cadeira e colocando os pés sobre a mesa, Nate discorreu:

– Muito bem. Eu recebi a tal pasta preta das mãos de um dos militares que trabalhava na evacuação. Nela constavam alvos que deveriam ser atacados. Isso num cenário de uma quebra do protocolo de contenção.

– Foi o que ocorreu quando a contaminação, na sua percepção, chegou ao ponto sem volta. – perguntou Oziel.

– Exato. Esses alvos eram todas as capitais de todos os estados e distritos dos países do mundo, bem como cidades com mais de 250 mil habitantes.

O rapaz que fazia as perguntas estava, agora, mostrando sinais de desconforto ao ouvir essas informações.

– Não sabia que era tão abrangente essa sua missão.

– Missão? Você pode dizer que isso foi uma dádiva nas minhas mãos – disse Nate, piscando um olho para Oziel.

– Então admite que foi você quem exterminou a humanidade da face da Terra? – perguntou o entrevistador, apoiando-se sobre a mesa, em pé.

– Eu apenas dei o golpe final. As pessoas já iam caindo pelo chão como abacates podres quando a gente saiu de lá. Não ia durar mais do que um ou dois meses nesse ritmo.

O som de uma turba podia ser ouvido do lado de fora da sala de entrevistas. Os sobreviventes na Esperança 5 estavam decididos a dar o fim que Nate merecia. 

– Eu encerro minhas perguntas – afirmou Oziel.

– Eu encerro minhas respostas – disse Nate, rindo como um lunático.

Dando espaço para que algumas pessoas levassem Nate da sala, o interrogador segurava a sua pasta de evidências, abraçando-a, assustado.

Alguma coisa dentro do Dr. havia quebrado, de forma irremediável, e a loucura parecia ter tomado conta dele. Soltava grandes gargalhadas enquanto era chutado, pisado, cuspido. 

Antes que fosse morto pelo espancamento, enquanto os seguranças tentavam conter a turba, dois homens o levaram para a eclusa de ar. Colocaram o corpo quase sem vida lá dentro.

Nate teve forças para mais uma gargalhada e, como não poderiam mais suportar isso, ativaram a porta externa.

As vozes na cabeça de Nate silenciavam, enquanto, nos seus últimos segundos de vida, tudo o que ele via eram estrelas.