
A explosão do complexo de oxigenação foi ouvida a mais de cinco mil quilômetros do local. Toneladas de O2 passavam por ali naquele momento. Os noticiários trataram logo de jogar o questionamento para o público: seria isso um acidente infeliz ou um atentado que obtivera sucesso?
Ele mal tinha aberto os olhos naquela manhã, quando o telefone tocou mostrando um número desconhecido. Atendeu.
– Alô.
– Dr. Sper, em 15 minutos chegará um carro para lhe buscar. Prepare tudo o que puder e esteja pronto. É uma ordem do Presidente – narrou roboticamente a voz do outro lado da linha.
– Certo – respondeu o homem, virando os olhos e soltando ar pelo nariz.
Ezequiel Sper sabia que aquele momento chegaria um dia. Sua aposentadoria não era algo que considerava permanente, visto que a grande realização de sua vida estava, como ele mesmo dizia, nas mãos de adolescentes vândalos e bárbaros.
Preparou-se da melhor maneira que conseguiu, não sem antes pegar uma garrafa de cerveja na geladeira. Tomou tudo em um único fôlego e terminou de se vestir.
Quando o carro chegou, já ia saindo pela porta de casa, todo desgrenhado. Ajeitou os fios de sua barba com a mão e enfiou a camisa para dentro da calça, caminhando a passos largos.
A van preta do governo se destacava na rua suburbana do bairro onde o velho morava. Isso atraiu a curiosidade dos transeuntes, mas assim que partiram, tudo voltou à monotonia de sempre.
– Qual é a emergência dessa vez? Algum dos jovens se perdeu dentro dos tubos de oxigênio durante a manutenção? – indagou Ezequiel.
– Não tenho acesso a esses dados, devido aos protocolos de segurança em vigor. Sua digital concederá acesso ao material contido neste dispositivo – respondeu o agente que estava sentado ao seu lado, colocando o notebook no colo do Dr.
Em silêncio, Sper absorveu as informações que estavam no equipamento. Quando chegaram ao complexo presidencial, lágrimas escorriam do rosto do velho, que mantinha-se calado.
– Por aqui, Dr. Sper – informou um dos agentes, indicando a direção da sala onde o alto comando das forças conjuntas, incluindo o Presidente, estavam lhe esperando.
– Este é o momento de crise sobre o qual eu avisei vocês – esbravejou o velho ao entrar na sala, chamando a atenção de todos.
Sentou-se na poltrona mais afastada da tela que mostrava diversos vídeos ao vivo do local do, agora confirmado, atentado. Colocou os dois pés sobre a mesa e começou a falar.
– Vocês não se sentem impotentes perante o que está acontecendo?
– Quanta presunção a sua, vir aqui falar dessa forma conosco – disse o General do Exército, socando a mesa.
– Avisei e reiterei várias vezes que havia mecanismos de segurança necessários, mas vocês votaram contra. Se não me engano foi para diminuir custos. – Ezequiel Sper fez um sinal de entre aspas com as mãos.
– Do que ele está falando? – perguntou o General apontando sua mão gorducha para o velho e olhando para o Presidente, que baixou a cabeça e suspirou.
– Nós não construímos os ejetores dos dutos de oxigênio das refinarias na lua – respondeu o presidente.
– Mas assim o peso do complexo e dos dutos vai puxar a lua para cima da Terra! – gritou o homenzarrão, deixando cair algumas das medalhas de sua roupa verde.
– O que podemos fazer agora? – suplicou o Almirante da Marinha.
– Temos duas coisas a fazer antes que a lua chegue muito perto da terra, evacuar a refinaria lunar e explodir os dutos. Vai ser a coisa mais linda de se ver – recitou Ezequiel, imitando uma explosão com as mãos e a boca.
– E se explodirmos agora a base? Pouparemos a Terra de um Evento de Nível de Extinção, mesmo com o sacrifício dos trabalhadores da lua.
Ezequiel jogou a cadeira para trás ao levantar e socou a mesa com as duas mãos:
– Você está falando em exterminar alguns milhões de pessoas da lua sem nem pestanejar? É assim que vocês são treinados no exército?
– Nós aprendemos a calcular. Você sabe fazer isso? – ironizou o General.
– Meu doutorado em Engenharia Aeroespacial não deve significar nada para você, afinal deve ser fácil viver só vendo um alvo na cara de todo mundo, não é mesmo? – perguntou Sper, dando um tapa numa pilha de papéis que estavam sobre a mesa.
– Qual a sua sugestão então, Doutor? – indagou o General, com uma forte entonação de deboche ao se referir a Ezequiel.
– Já dei minha opinião. Mas a decisão não cabe a mim, e sim ao Presidente.
– Exato. Você teve a oportunidade de estar sentado aqui nessa cadeira hoje, mas renunciou logo no primeiro mês. Como seu vice, eu te admirava, mas agora não sei mais o quanto posso confiar em um velho bêbado que fica escrevendo livrinhos de fantasia para adolescentes – falou o Presidente, depois de ouvir tudo o que os outros tinham a declarar – Preparem os mísseis. Vamos atacar a base lunar imediatamente. Não podemos correr o risco de deslocar a lua de lugar. Vocês estão dispensados.
Ezequiel saiu da sala com o semblante de quem havia perdido um familiar. Ao chegar na rua, pegou seu telefone e ligou para um contato que constava como Emergência.
– Alô? – disse a voz do outro lado.
– Colocar em prática plano de contingência sessenta e seis.
– Sim, senhor. Qual a ameaça?
– A Terra está atacando vocês. O Presidente deu a ordem.
– Certo. Vamos agir imediatamente – confirmou a pessoa na linha e desligou.
As atitudes do Presidente e seus homens de armas teriam consequências devastadoras em número de vidas perdidas. Já o que foi feito pelo Dr. Ezequiel Sper, salvaria não só os residentes da lua como também os da Terra.